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segunda-feira, 11 de maio de 2015

Desocupação da Vila Soma será uma das maiores da Justiça de SP



Desocupação da Vila Soma será uma das maiores da Justiça de SP

Dez mil pessoas escolheram um terreno pertencente a uma empresa fechada em 1990 para viver; Área, que vale R$ 79 milhões, será usada para pagar os ex-funcionários
Sumaré respira tensão. Com uma área de aproximadamente um milhão de metros quadros ocupada há três anos por cerca de 10 mil pessoas — entre elas mil crianças — a cidade pode ser o palco de uma das maiores ações de reintegração de posse da história do judiciário paulista. 

Foto: Leandro Ferreira
Grande parte do lugar está ligada à massa falida da antiga empresa Soma Equipamentos Industriais Ltda., fechada desde 1990. No total, o espaço tem valor estimado em R$ 79 milhões. A dívida deixada após a falência chega a R$ 250 milhões, e 40% deste montante representa questões trabalhistas e previdenciárias que não foram quitadas. O leilão do terreno poderia honrar esses débitos. 

Com isso, há uma delicada queda de braço social a ser resolvida. Se por um lado existe gente ali que luta por uma moradia própria, e a consequente fuga do aluguel, de outro estão mais de mil funcionários que esperam por mais de duas décadas para receber o que deles é de direito.

O prazo da reintegração ainda não está definido, mas ela poderá ser cumprida em, no máximo, 120 dias, de acordo com André Gonçalves Fernandes, juiz da 2ª Vara Cível de Sumaré, responsável pela decisão. 

“O processo já transitou em julgado. Precisamos de 45 a 50 oficiais de justiça para cumprir a ordem para que não haja gargalos no dia. Sumaré terá que contar com profissionais de outras comarcas, já que tem cerca de 20 se juntarmos todas as varas daqui”, explica o juiz, em entrevista exclusiva ao Correio

“Esse (o terreno) é o único bem da empresa que nós temos para liquidar no mercado com um leilão e, com esse valor, quitar pelo menos os créditos trabalhistas e previdenciários. Esses créditos são, na verdade, histórias de vida. Costumo receber aqui com certa frequência alguns desses credores. Eles são senhores, pessoas que têm de 20 a 30 anos de serviços honestamente prestados à empresa Soma. Outras pessoas morreram esperando. Na minha ótica, como juiz responsável pela massa falida, isso tem preponderância aos interesses e o direito à habitação dessas pessoas que ocuparam a área há três anos”, conta Fernandes.
‘Tendência ao Entendimento’

Buscar uma solução antes que ocorram confrontos violentos durante desocupações de áreas, como o visto em Pinheirinho em 2012. Esta é a missão do Grupo de Apoio às Ordens Judiciais de Reintegração de Posse (Gaorp), órgão ligado ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) criado em novembro do ano passado.

A iniciativa pioneira no Brasil surgiu para resolver conflitos por meio da tentativa de conciliação ou para amenizar o desgaste causado às partes em decorrência de uma reintegração de posse. 

Composto por representantes dos governos federal, estadual e municipal, o grupo reúne-se com os magistrados responsáveis pelos processos, com as partes envolvidas e os interessados na causa.

“Com representantes de todas as esferas envolvidos no trabalho do grupo, em primeiro lugar, verificamos a possibilidade de uma conciliação. Procuramos saber se o governo federal consegue fazer um financiamento ou se o governo estadual também pode participar. Temos todos os instrumentos na mão para poder resolver a questão”, explica o juiz-coordenador do Gaorp, Kleber Leyser de Aquino. 

“O trabalho também é importante para que a parte que está ocupando a área veja que, se não resolver ali, não tem mais para o onde ir. Aqui a coisa é rápida. Se não houve conciliação, ficará certo que o pessoal terá que desocupar. O Gaorp é um lugar de definição”, diz.

Sobre o caso específico da Vila Soma, o juiz afirma que há uma tendência ao entendimento. “Podemos conseguir ambas as coisas. Tanto atender os credores trabalhistas e previdenciários (da empresa falida) quanto os interesses dos ocupantes. 

Trazendo o processo para cá, eu senti que existe uma tendência nos representantes do governo federal e estadual, mais especificamente do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), de um acordo para que a área seja financiada. Se não aquela, uma vizinha. Não sei como fariam isso, mas a possibilidade me pareceu muito grande”, garante Aquino, que só aponta um entrave. 

“Pelo que eu soube, havia uma resistência apenas por parte da prefeita (Cristina Carrara, do PSDB). Ela estava criando empecilho. O representante do CDHU me disse que, se a prefeita não tivesse criado esse empecilho, já teriam resolvido o problema. Nesse caso, estamos convidando a própria prefeita para participar da nossa audiência. Não sei se ela virá, mas foi convidada”, afirma o juiz. A próxima reunião do Gaorp deve acontecer até a última semana deste mês.

“Tenho trabalhado para diminuir essa injustiça flagrante para que, pelo menos, com o valor obtido com a área, possam ser quitados todos os débitos trabalhistas e previdenciários. Se eu conseguir levar isso adiante, me dou por satisfeito”, acrescenta o juiz.

Fernandes afirma que a ideia é realizar o leilão da área ainda este ano. “Quem adquirir a área será orientado a ocupar o local o mais rápido possível, justamente para evitar uma nova invasão”, comenta o magistrado, que procurou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) para ter apoio no cumprimento da decisão. 

“As minhas solicitações ao Tribunal, desde o início, em 2004, até o último momento da minha atuação, é a de apoio ao cumprimento da ordem. Eu não levei o processo para fazer acordão, para rever a minha decisão ou tentar contemporizar de maneira a prejudicar os direitos trabalhistas e previdenciários dessas pessoas que foram lesadas injustamente. Eu diria até que essa é uma situação que clama aos céus por justiça. A ordem não vai ser revogada, o oficial de Justiça já tem o mandado em mãos e dependo apenas do tribunal para resolver esses gargalos estruturais”, confirma Fernandes.

Panfletagem

Um efetivo de 2 mil policiais militares é estimado para atuar no cumprimento da ordem de reintegração na Vila Soma. Com o objetivo de “reduzir os danos”, a PM iniciará nas próximas semanas um trabalho de panfletagem na área ocupada. A ideia é desestimular a chegada de novas famílias e fazer com que as que já estejam lá saiam voluntariamente.

“Vai ser dado um prazo para que essas famílias saiam e ele vai sendo diminuído. Com isso, nós esperamos que, no dia da reintegração de posse, haja um mínimo de pessoas que ainda queiram permanecer no local. Elas vão saber que vão sair de lá à força”, afirma o juiz da 2ª Vara Cível de Sumaré.

‘Novo Pinheirinho’

A possibilidade do cumprimento da ação de reintegração de posse e as incertezas que isso traz às 2,5 mil famílias que ocupam a Vila Soma, em Sumaré, fez ressurgir à memória de todos no local o recente capítulo amargo na luta por moradia no Estado de São Paulo: a desocupação à força da área conhecida como Pinheirinho, em São José dos Campos.

A ação, realizada em um terreno de 1,3 milhão de metros quadrados onde viviam cerca de 1,5 mil famílias em 22 de janeiro de 2012, foi marcada pela violência policial, agressões e denúncias de violações dos Direitos Humanos. Na época, o caso teve repercussão internacional.

“O problema em Pinheirinho foi uma certa falta de cautela no cumprimento da ordem. A decisão em si é inquestionável. O problema é que, na minha opinião, houve um certo atropelo, umas caneladas, que não vislumbraram os eventuais problemas que poderiam surgir durante o cumprimento. O que eu quero dizer com isso é que, por mais que a gente seja cauteloso, vai ter problema (na Vila Soma, em Sumaré). Não tem a menor dúvida em relação a isso”, afirma o juiz da 2ª Vara Cível de Sumaré, André Gonçalves Fernandes. 


Realização de Sonho

Foto: Leandro Ferreira/ AAN
“No dia que teve bomba, eu estava no protesto tocando tambor. Eu moro na Vila Soma e tenho que lutar com eles.” Com apenas 9 anos, Mikaelly Ferraz da Cruz (foto)já participa efetivamente do movimento popular da ocupação de Sumaré. 

Com os pés descalços e tranças de menina ela é uma das milhares de pessoas que arriscaram ocupar irregularmente um espaço pelo objetivo da casa própria.

No local, a água chega em caminhões-pipa. São R$ 15,00 por mil litros. A energia é “emprestada”, ou seja, o conhecido gato. 

O lixo é colocado em um espaço comum. A antiga portaria que contava com vigias armados que impediam a entrada de outras pessoas — inclusive socorro médico, segundo testemunhas — foi derrubada e agora é comum cruzar com viaturas da Polícia Militar fazendo rondas ou abordagens pelas ruas de terra. 

Ao longo dos últimos três anos, o espaço ainda foi apontado como esconderijo de bandidos, ponta para desova de cadáveres e carros roubados. Também há informações, não confirmadas pela reportagem, sobre vendas de lotes ali, com uma casa chegando ao preço de R$ 20 mil.

 Mas a Vila Soma, em sua maioria, tem gente honesta, que pensa apenas em viver melhor. É o caso de Beliane de Jesus (foto), de 25 anos, mãe de Maria Isabele, de 3 meses, que nasceu na ocupação. Ela mora com o marido e dois filhos há quase 3 anos ali. 

“A chance de reintegração nos deixa em desespero porque pensamos nas crianças. Fico apreensiva. Como não estamos em uma coisa que ganhamos ainda é natural ter medo. Mas confio em Deus que vamos conseguir”, diz.

Trabalhando em um barraco quente e apertado, a costureira Maria Inês Santana é outra movida pela esperança. “Não tenho outra alternativa. Fiquei viúva e tudo ficou ainda mais difícil. A gente crê que isso será nosso. Quem não quer uma casa própria? É um sonho”, afirma.

Depois de pegar aluguel por nove anos em São Paulo, o comerciante Crispin Alves resolveu vir para a região com a família. “Se sair da ocupação vou levar a mulher o meu filho para debaixo de um viaduto”, responde.

Desespero

Integrante da Coordenação da Vila Soma, a auxiliar de escritório Tamires Caires, de 23 anos, afirma morar no local. 

“Não queremos nem pensar em reintegração, é desesperador. Imagine 2,5 mil famílias na rua! Tem gente que não tem para onde ir, então, alguns nós vamos ter que segurar o máximo possível por aqui. Mas temos esperança de chegar a uma solução. As crianças estão na escola. Tem mãe e pai que trabalha próximo. Já está tudo certo, não há razão para não ficarmos aqui”, diz ela. 

Prefeitura 

A prefeita de Sumaré, Cristina Carrara (PSDB), foi procurada pela reportagem para falar sobre a Vila Soma, mas sua assessoria disse que ela não costuma se pronunciar sobre o assunto, já que se trata de uma área particular e a Prefeitura não é autora da ação de reintegração de posse. Por e-mail, o governo informou que auxilia na busca por uma solução. 

“A Prefeitura de Sumaré, pelas suas secretarias municipais, integra o grupo de trabalho montado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, governo federal, Caixa Econômica Federal, Secretaria de Habitação de São Paulo e CDHU, que busca a viabilização de uma solução consensual e legal para a ocupação de áreas privadas (particulares) conhecida como Vila Soma. Tal solução deve vir através do Programa Minha Casa Minha Vida”, explica a nota. 

“Tal solução, a única discutida, envolve a viabilização de conjuntos habitacionais pela própria entidade que representa os ocupantes e não passa pelo cadastro geral de interessados realizado pela Prefeitura, posto que uma das exigências determinadas pelo Conselho de Habitação para compor este cadastro é estar na cidade há cinco anos ou mais.” A ocupação é de junho de 2012. 

Fonte: correio.rac.com

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